O sol terminava de dar seu último bocejo...aninhando-se na linha dura e distante do horizonte...Um céu degradê anunciava que a noite chegava...
O que não desfez a luz do sorriso dela...um sorriso que era como um segredo sussurrado...
Porque era à noite que o seu dia começava...vinha amanhecendo com o entardecer....devagar...sinuoso...com cheiro de carinho e gosto de saudade.
Terminou seu banho, junto com a última linha alaranjada do horizonte...libertando no quarto o aroma do sabonete, do óleo, do shampoo...do desejo...
De estar perto, de ouvir, sentir, falar...
Que ama, que tem saudade, contar o que aconteceu na noite que foi seu dia, quando ainda não se fazia necessário o segredo no sorriso.
Enxugou indolente o corpo...colocou devagar a camisola...sentindo o cetim descer macio, gelado, deslizando sobre a saudade de que era feita.
Olhou-se no espelho e viu a tristeza da fina, dura e fria camada de prata quando perdeu a luta. A insensibilidade do espelho perdeu para a luz dos olhos dela quando se viu. Misto de mulher e menina, de olhinhos apertados num sorriso franco...
A boca ansiosa, o cabelo preto molhado liso, descendo pelos ombros, tocando gentilmente as costas. O olhar intenso de quem tem fome de vida e sede de amor. Uma briga amistosa das linhas do rosto que já mostravam a idade com as covinhas nas bochechas que teimavam em finalizar a moldura perfeita que todo semblante apaixonado tem.
Abandonou o então enlevado espelho e pôs-se a cantar baixinho enquanto penteava com delicadeza ímpar o cabelo molhado; paciente, certa de que as horas eram agora coisa pouca perto da alegria que estava quase ali, a alguns milhares de quilômetros...praticamente centímetros quando se ama.
Uma melodia estranha, marcada por acordes agridoces - uma espécie de equivalente auditivo a mel misturado com limão, tocava em algum lugar na esfera das decisões tomadas. O doce do amor e o ácido necessário - suportado apenas - da realidade.
Lembrou-se do início...do meio e do fim que teimava em ser fim...
Riu...compreensiva...paciente.
Suspirou. Consciente. Silenciosa.
Pensou, com certa melancolia - própria do fim do dia - que todo mundo faz escolhas, e ninguém, tem o direito de tirar essas escolhas de ninguém. Nem mesmo por amor.
O aroma do sabonete se esvaiu lentamente, como quem apaga a luz e fecha a porta para deixar dormir alguém que está muito cansado. E o cetim ...encolheu-se, dobrado de novo; junto com a escolha feita então.
1 comentários:
Ouvi de alguém cuja sensibilidade é inquestionável...que seria interessante ler o texto ao som de Pink Floyd - Coming Back to Life.
Bem...ele estava certo!!
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