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Lixo...

Um homem catava lixo no container em frente ao condomínio. O sol estava no auge da maldade mas ele parecia não perceber o suor escorrendo pelo seu rosto. Remexia no lixo, separando algumas coisas em sacos, outras em caixas de sapatos. Então, me vi analisando a busca. Relembrando LFV, pensei se o lixo seria mesmo de domínio público e, parecendo esta teoria menos invasiva, resolvi analisar o lixo. E inventar aquela pessoa que eu não conhecia e talvez não se conhecesse, como eu.
Imaginei que, ao encontrar um livro meio aos pedaços e sem capa, ele imaginasse a história que quisesse, montaria sua vida com as páginas coladas nas paredes de sua alma, colorisse seu cansaço com sua criatividade. Talvez, não sabendo ler as idéias concebidas no livro, ele pudesse imaginar as suas próprias idéias, montar sozinho uma outra história, e isso era mais importante; ele cria, sozinho, sem letras impressas, sonha sem que lhe digam com o que sonhar, sonha com o que quiser. Isso seria mais rico que o próprio livro, pois não seria mais o livro, seriam os sonhos de quem, apenas passando as páginas, estivesse escrevendo uma outra história. Mas é possível que a história inventada por ele fosse triste, assim como pedaços das nossas próprias vidas. Talvez ele imaginasse lágrimas, amores desfeitos, crimes de vingança. Quem sabe não passasse para o livro suas tristezas e feridas, livrando-se assim delas.
Ele achou um tênis. Quase novo, azul e branco. A busca foi intensificada, penso que pelo outro tênis. Queria poder calçar seus desejos com algo mais sólido que sua fome, sua angústia. Um pé foi um lapso de esperança, instigou a busca por mais. O mais que ele não teve da vida, que lhe foi tirado um dia, ou todos os dias... Esse outro pé era o que o movia, como um sorriso é capaz de mover uma vida de amores, somente sendo sorriso. Ali, era somente um tênis, mas era o sorriso que ele precisava pra sentir-se vivo, capaz, forte. Não achou o outro pé e imaginou com raiva, que talvez estivesse servindo de brinquedo para algum poodle chato que latia a noite toda acordando os moradores daquele condomínio. Bem feito!
Foi então que tirou do lixo um tijolo. Assim, inteirinho. Engraçado né? Um tijolo no lixo, sozinho, sem o resto de sua construção. Mas todos somos pedaços, sem cimento, sem tinta, sem nada. Se ele tivesse me perguntado o que fazer com aquilo, eu diria que eu talvez pudesse ficar uns centímetros mais alta, e me esquecesse do quão pequena me sinto em alguns dias. Mas ele não fazia a menor questão em me consultar. Será que achou que eu era a dona do poodle? O tijolo foi descartado. Eu também o faria com alguns momentos de minha vida que nunca se ajustaram a mim, como aquele tijolo sozinho.
Daí surgiram vários objetos pequenos, que ele guardava em um saco. Um monte deles, que eu, com minha miopia sentimental, não conseguia distinguir o que eram. Mas um desses objetos se demorou mais em sua mão. Era um frasco de remédio, desses de plástico. Ele ficou olhando o frasco, e eu também. Poderia ser de uma esposa abandonada que, não conseguindo dormir no gelo de sua cama vazia, se valesse desse remédio para abandonar o mundo por algumas horas. Poderia ser de um homem exausto demais de viver que não se ocupasse mais de livros ou de filmes para trazer o sono, engolindo várias cápsulas para sentir-se normal. Se isso acontecesse, queria saber o nome daquele remédio. Mas poderia ser somente um anti-gripal.
Sorriu quando achou um embrulho cheio de latinhas de cerveja amassadas. Depois, o sorriso se desfez quando percebeu que ele não havia tomado nenhuma delas. Sentiu raiva e inveja, ser humano que é, daquelas pessoas que haviam se embriagado e sorrido enquanto ele havia dormido em cima de caixas de papelão. Para consolá-lo, mentalizei que talvez aquelas pessoas tinham bebido tanto e se embriagado somente pra parecerem felizes, pertencerem à algo maior que seus umbigos, se desfazendo depois em suas camas jurando nunca mais beber tanto. Mas acho que ele não recebeu meu e-mail mental, pois não sorriu mais.
A busca acabou. Ele se virou na minha direção e nunca me senti tão invisível! Passou por mim, sem me ver, passou pelo ar que eu era naquele momento. Não me respirou, nem tossiu com minha poluição. Seguiu adiante, pensando em outro container que havia no condomínio de cima.

Na verdade, acho que sempre vou querer saber que livro era aquele...

1 comentários:

Carolina disse...

Real??? hehehe
D+ Aline, dá um autógrafo???

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